Torcendo para que a crise mundial abale a popularidade do presidente Lula, o agourento FHC resolveu soltar a sua língua ferina. Em apenas dois dias, o ''príncipe da Sorbonne'' falou duas besteiras retumbantes. Talvez influenciado pela Folha de S.Paulo, que recentemente cunhou o odioso termo ''ditabranda'' para se referir ao sombrio período da ditadura no país, afirmou: ''Aí que saudades do governo militar, quando eu podia falar''. Foi uma resposta intempestiva a uma justa alfinetada de Lula, que recentemente afirmou que ''tem ex-presidente que fala demais''.
Por Altamiro Borges
Talvez FHC esteja com saudades da fase em que viveu no exílio, quem sabe ''brando'', durante o regime militar. Nos anos de chumbo da ditadura não se ''podia falar'' à vontade no país, marcado por prisões arbitrárias, torturas, mortes, cassação de parlamentares, intervenção nos sindicatos e censura à imprensa alternativa.
Ou talvez FHC esteja com saudades do seu reinado de oito anos no Palácio do Planalto, quando acionou as tropas do Exército para reprimir a greve da Petrobras e desqualificou as criticas ao seu governo, taxando-as de ''blábláblá''. Bem diferente de Lula, sua gestão foi autoritária e fez de tudo para ''quebrar a espinha dorsal'' dos movimentos sociais.
Corrupção e caradura dos tucanos
A outra pisada na bola de FHC ocorreu durante o programa Roda Viva, da TV Cultura, no qual ele afirmou que no governo Lula ''a corrupção é endêmica. A diferença [entre a minha administração e atual] é de atitude: não posso dizer que não teve, mas garanto que eu não compactuei com ela. Nunca passei a mão na cabeça de corrupto [ao contrário do presidente Lula]'', registrou, excitada, a Folha. Este jornal, hoje um dos principais palanques da oposição neoliberal-conservadora, deveria, no mínimo, citar as denúncias de corrupção durante o governo de FHC. E olha que não foram poucas. Vale à pena refrescar a memória de FHC e de Otavinho:
- Sivam. Logo no início do primeiro mandato de FHC, denúncias de corrupção e de tráfico de influencias no contrato de US$ 1,4 bilhão na criação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) derrubaram o um ministro e dois assessores do presidente. Mas a CPI instalada no Congresso, após intensa pressão, foi esvaziada pelos aliados do governo e resultou apenas num relatório com informações requentadas ao Ministério Público.
- Pasta Rosa. Pouco depois, em agosto de 1995, eclodiu a crise dos bancos Econômico (BA), Mercantil (PE) e Comercial (SP). Através do Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro (Proer), FHC beneficiou com R$ 9,6 bilhões o Econômico numa jogada política para favorecer o seu aliado ACM. A CPI instalada não durou cinco meses, justificou o ''socorro'' aos bancos quebrados e nem sequer averiguou o conteúdo da pasta rosa, que trazia o nome de 25 deputados subornados pelo Banco Econômico.
- Precatórios. Em novembro de 1996 veio à tona a falcatrua do pagamento de títulos no Departamento de Estradas de Rodagem (Dner). Os beneficiados pela fraude pagavam 25% do valor destes precatórios para a quadrilha que comandava o esquema, resultando num prejuízo à União de quase R$ 3 bilhões. A sujeira resultou na extinção do órgão, mas os aliados de FHC impediram a criação da CPI para investigar o caso.
- Compra de votos. Em 1997, gravações telefônicas colocaram sob forte suspeita a aprovação da emenda constitucional que permitiria a reeleição de FHC. Os deputados Ronivon Santiago e João Maia, do PFL do Acre, teriam recebido R$ 200 mil para votar no projeto. Eles renunciaram ao mandato e foram expulsos do partido, mas o pedido da CPI foi bombardeado pelos governistas.
- Desvalorização do real. Num nítido estelionato eleitoral, FHC promoveu a desvalorização do real no início de 1999. Para piorar, socorreu com R$ 1,6 bilhão os bancos Marka e FonteCidam - ambos com vínculos com tucanos de alta plumagem. A proposta de criação da CPI tramitou durante dois anos na Câmara Federal e foi arquivada por pressão da bancada governista.
- Privataria. Durante a privatização da Telebrás, grampos no BNDES flagraram conversas entre Luis Carlos Mendonça de Barros, ministro das Comunicações, e André Lara Resende, dirigente do banco. Eles articulavam o apoio da Previ, o Banco do Brasil, para beneficiar o consórcio do banco Opportunity, que tinha como um dos donos o tucano Pérsio Árida. A negociata teve valor estimado de R$ 24 bilhões. Apesar do escândalo, o governo sabotou a instalação da CPI. O outro envolvido neste escândalo foi Daniel Dantas, o especulador ''muito competente'', segundo outra besteira dita recentemente por FHC.
- Eduardo Jorge. O secretário-geral de FHC foi alvo de inúmeras denúncias no reinado tucano: esquema de liberação de verbas no valor de R$ 169 milhões para o TRT-SP; montagem do caixa-dois para a reeleição; lobby para favorecer empresas de informática com contratos no valor de R$ 21,1 milhões só para a Montreal; e uso de recursos dos fundos de pensão nas privatizações.
- CPI da Corrupção. Em 2001, chafurdando na lama, o governo ainda bloqueou a abertura de uma CPI para apurar todas as denúncias contra a sua triste gestão. Foram arrolados 28 casos de corrupção, que depois se concentraram nas falcatruas da Sudam, na privatização da Telebrás e no envolvimento do ex-ministro Eduardo Jorge.
A pisada na bola de Lula
Toda essa imundice no ninho tucano ficou impune, com a cumplicidade da maior parte da mídia. FHC também contou com a ajuda do procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, que por isso foi batizado de ''engavetador-geral''. Dos 626 inquéritos instalados até maio de 2001, 242 foram engavetados e outros 217 foram arquivados. Eles envolviam 194 deputados, 33 senadores, 11 ministros e ex-ministros e, em quatro, o próprio FHC. Nada foi apurado e FHC afirma hoje, na maior caradura, que ''nunca passei a mão na cabeça de corrupto''. Haja paciência!
Logo no início do seu primeiro mandato, Lula se jactou de ter rejeitado terminantemente a idéia da abertura das investigações sobre a ''herança maldita'' da corrupção tucana. Diante da língua ferida de FHC, talvez ele já tenha se arrependido de tanta ''bondade''!
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