quarta-feira, 29 de julho de 2009

O GOVERNO JOÃO GOULART – ASPECTOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E POLÍTICOS

Charles Leonel Bakalarczyk JUL2009
O discurso, mesmo que em síntese apertada, sobre aspectos econômicos e políticos de um determinado governo ou período histórico exige um olhar que recaia na base material. E a totalidade da estrutura econômica somente pode ser percebida se as relações sociais e políticas forem examinadas. Esse é o sentido – e limitação – deste post.

Movimentos sociais no Governo Goulart

Ligas camponesas:

Setores do campo, economicamente excluídos, começaram a se mobilizar. A mobilização decorreu das mudanças estruturais ocorridas entre 1950 e 1964 (crescimento urbano e industrialização).O mercado para produtos agrícolas e pecuária ampliou. A terra passou a ser mais rentável e os proprietários passaram a expulsar antigos posseiros ou agravar suas condições de trabalho.Houve migração do campo para a cidade e, até por isso, tomada de consciência (pela necessidade).O movimento mais importante – surgido a partir de 1955 - foi os das ligas camponesas, tendo por líder o advogado Francisco Julião – que promoveu as Ligas às margens do movimento sindical. As Ligas lutavam por terra para os trabalhadores que não mais as tinham.Foi realizado em BH, isso em 1961, o I Congresso Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, organizado por Julião, setores da Igreja Católica e dirigentes comunistas.Em 1963, Jango, atendendo às reivindicações do movimento, sancionou o Estatuto do Trabalhador Rural, instituindo a CTPS para o trabalhador do campo, regulando a duração do trabalho e prevendo outros direitos.

Estudantes:

No Governo Jango ouve grande mobilização do movimento estudantil, pela atuação da UNE. Apresentavam propostas de radical transformação social.

Católicos:

A partir de 1950, setores da Igreja Católica passaram a se preocupar com as camadas populares. Combatia-se o comunismo através dos setores conservadores e, ao mesmo tempo, denunciava-se os males do capitalismo pela voz dos progressistas.No Nordeste, os católicos promoveram a sindicalização rural, combatendo, entretanto, as ligas camponesas.Com a posse de Jango, inclusive setores moderados (CNBB) certificaram a legitimidade do seu governo. No entanto, os setores conservadores foram agentes definitivos na queda de Jango.

Operários:

A posse de Jango implicou o retorno do populismo (ligação direta entre o Presidente e o povo, legitimando pressões sociais e mobilizações populares).Houve, então, uma atuação rente do movimento sindical operário em relação ao Estado, apoiando as reformas de base.As lutas sindicais passaram, gradualmente, a assumir um viés mais político do que meramente salarial. Embora houvesse profundas divergências entre o Governo Jango e os sindicalistas, afinidades se colidaram. Os sindicatos apoiaram as reformas de base.A organização crescente do operariado resultou no movimento grevista, principalmente no setor público, iniciando-se em São Paulo e de deslocando para quase todo o país.Todavia, as lutas políticas não traziam conquistas econômicas imediatas, havendo um declínio do movimento operário no Estado de São Paulo – setor mais dinâmico da economia nacional. Além disso, os dirigentes sindicais ficaram muito próximos do governo, ruindo com ele.

Atuação da burguesia:

O Governo Jango pretendia realizar as reforma de base, que continha medidas nacionalistas e de intervenção do Estado na esfera econômica (diminuição do Mercado e aumento do Estado). Buscava-se, entre outras medidas, nacionalizar empresas concessionárias de serviços públicos, de figroríficos e da indústria farmacêutica, regular a remessa de lucros para o estrangeiro e estender o monopólio da Petrobrás. Pretendia-se, em suma e quando muito, um Estado de Bem-Estar Social (desenvolvimento capitalista com garantias sociais mínimas), ao estilo europeu, e não adotar o comunismo.Todavia, a burguesia nacional não pretendia enfrentar o “imperialismo norte-americano” e nem patrocinar a reforma agrária.Os movimentos sociais – em especial as greves - assustaram a burguesia nacional, que, vendo os investidores inibidos com as “incertezas” do mercado, tratou de se distanciar do governo.

Classe média:

No início, parte da classe média via com bons olhos o Governo Jango e suas reformas de base. Mas quando verificou que a reforma urbana atingia seus interesses, mudou de lado.

Política:

A par da organização dos movimentos sociais, os agrupamentos políticos (que ultrapassavam os partidos) passaram a se definir ideologicamente.O PTB, beneficiando-se da ilegalidade do PCB, recolhendo seus eleitores. Por ser urbano, também obteve mais eleitores graças à industrialização. Definiu-se, então, nacionalista e de mudanças sociais. Em 1945, possuía 22 deputados federais; em 1962, 116.Já o PSD e a UDN, por conta das definições ideológicas, perdeu base eleitoral. Em 1945 os dois partidos detinham 82% das cadeiras de deputados federais; em 1962, 51%.A ideologização dos partidos reduziu as diferenças pessoais internas, mas aumentou as ideológicas. Assim, era possível que dentro dos três partidos houvesse posições mais conservadoras ou progressistas.O quadro era o seguinte: a maioria da UDN era ultra-conservadora; o PSD era dividida entre conservadores e nacionalistas e a maioria do PTB era nacionalista e reformista.No Parlamento, havia dois movimentos interpartidários: a Frente Parlamentar Nacionalista, composta em sua maioria por deputados do PTB, com considerável participação de deputados da UDN; e a Ação Democrática Parlamentar, financiada pela CIA.Embora o crescimento do PTB, as eleições de 1962 mostraram a força do centro e da direita. Vale lembrar que os governadores dos maiores estados eram contra o Governo Jango.Essa força conservadora impediu, inclusive, que, após a renúncia de Jânio Quadros, Jango assumisse o papel de chefe de Governo – surgiu o parlamentarismo (1961), derrubado em 1963 por cerca de 9,5 milhões de votos num universo de 12 milhões de votantes.

Forças Armadas:

Se havia movimentação no meio civil, o militar não ficava para trás. Foi criada uma doutrina com base na guerra fria, que se consolidou com a ascensão de Fidel Castro ao Poder (doutrina da segurança nacional). Um inimigo externo havia sido constituido para servir com objeto de combate: o comunismo.Com a radicalização das reformas de base, os militares se convenceram que somente um movimento armado estancaria a “anarquia populista”, que, sem a intervenção militar, na ótica dos golpistas, descambaria para o comunismo.

Plano Trienal/economia:

Em 1962, ainda no parlamentarismo, o governo divulgou o Plano Trienal, elaborado pelo economista Celso Furtado, para combater a inflação e desenvolver o país. Anunciou também a realização das reformas de base: agrária, tributária, administrativa, bancária e educacional.O Plano Trienal embora com medidas bem coerentes, falhou. Enfrentou desde o início forte oposição, e o governo brasileiro se viu obrigado a negociar empréstimos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o governo dos Estados Unidos da América, que exigiram cortes significativos nos investimentos nacionais.O desemprego, a inflação e a carestia aumentavam as tensões sociais no país. A escalada inflacionária começou em 1960, com 26,3; em 1961 passou para 33,3% e 1962 atingiu 54,8%.O Trienal fracassou porque dependia da colaboração de setores que dispunham de voz econômica na sociedade. Ocorre que aqueles que se beneficiavam da inflação não tinham interesse no êxito das medidas; já os inimigos políticos apostavam no “quanto pior melhor”, desejosos da ruína de Jango e da economia para sustentar um golpe; o movimento operário aceitava tudo no Plano, menos a redução de vantagens salariais; a esquerda pensava que havia “o dedo do Império” no Trienal; os investidores temiam o sucesso de algumas metas e do populismo, além de não gostar do executor do plano (San Tiago Dantas); os proprietários rurais viam a reforma agrária como uma catástrofe na economia pessoal (a proposta de reforma era desapropriar sem indenizar) e se armaram até os dentes para “resistir”.O PIB que em 1962 foi de 5,3%, caiu para 1,5% no ano seguinte.Em 1963, 700 mil operários pararam e conseguiram 80% de aumento salarial, logo consumido pela hiperinflação. Eis as notas do fracaso econômico do Governo Jango.Para tentar garantir apoio popular, em 1964 Jango propõe medidas de radicalização das reformas de base – incutidas no Trienal.Como reação, 500 mil pessoas participaram da Marcha pela Família com Deus pela Liberdade, a partir das associações das senhoras católicas. Um movimento eminentemente conservador, base social para o golpe.A crise econômica e a aprofundamento da crise política criaram as condições para o golpe.

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